Abajur

O anúncio na loja menciona: “Deixe seu ambiente mais charmoso, compre um de nossos lindos abajures.”

Nunca imaginei que um objeto tão “comum” fosse se tornar algo tão importante para mim. Desde que nos mudamos – aquela velha história da minha vida, a qual os meus amigos mais íntimos e os que seguem o FB estão calejados de saber – tem sido feito o esforço maravilhoso de decorar um novo lar, todos os seus pequenos grandes detalhes, portas, quadros, tapetes, sofá, cama, isso serve ainda, isso não serve mais, joga fora, amo você objeto lindo, tá sujo, tá velho, posso reformar… Há sempre algo que me toca bem lá no fundo da alma: o meu abajur.
Nunca fui daquelas que ganhou um abajur da mãe, aqueles lindos, cheios de pedras, que ficavam coloridos, e blá blá blá. Para ser bem sincera, nem lembro o formato do meu, vivia mudando de cidade e Estado e provavelmente, então, o meu havia sido do meu tio, da minha vó… Mas, não era o corpo dele em si que eu amava, era o fato de ser dona de um e ver ele ali, onde eu exatamente o queria, ao lado da minha cama… O abajur foi meu companheiro de liberdade e independência. Quando tive a chance de ter meu próprio quarto – sendo filha única – lembro que minha maior realização foi: “Agora, fecharei a porta e o mundo será somente meu. Lerei quando quiser, a hora que quiser, até quando eu quiser. Afinal de contas, amanhã acordarei sozinha para ir à escola, sem depender de ninguém… Ai ai que maravilha essa vida independente!” . Consigo tocar essa sensação até hoje, quando fecho os olhos e vem a mente meu dedo clicando no botão de apagar a luz, aquela luz que me deixava confortável, segura para dormir… E que me avisava também, que era hora de acordar, mas acordar de leve… aos poucos, delicadamente, abrir os olhos e saber que teria que trocar de luz. Do conforto para a realidade. Do sonho e do mundo ideal, para a vida. Eu cresci e fui em uma loja de departamento comprar uma “luminária” de leitura, sabe como é, quando a gente mora sozinha ou usa a TV ou usa a LUZ. No meu caso, claro, eu usava os dois. 🙂 No entanto, confesso que gostoso mesmo era abrir o livro, acender o abajur, tomar um chá e adormecer.
Cresci mais, comprei um tablet para leitura. Porque, veja bem, minha paixão não era somente a luz que o abajur fornecia, era o livro, o chá, o pó que subia quando eu me ajeitava na cama e que ficava tão visível perante àquela luz… Quase um céu. Pois bem, o tablet… Bom, resolveu provisoriamente meu vazio na vida moderna! Mesmo assim, sentia falta do “click”, sentia falta do cheiro da madeira do criado mudo – peça indispensável – sentia falta do livro com capa e folhas, com manchas e amassados, sentia, sinto, sinto demasiadamente. Hora de agir: vou comprar um abajur… Mas, quem disse que é simples comprar um abajur? É quase impossível preencher a alma com a mesma sensação, encontrar a peça ideal, nem grande, bem pequena, aquela que toque meu coração.

Sabem, eu acho mesmo que tudo que nos fará feliz um dia, foi fundamentado na nossa infância e nos primeiros sentidos. Basta resgatarmos aos poucos, as ideias e emoções vem sozinhas, mas precisamos estar abertas para elas…
Um dia, eu tenho certeza, ele aparecerá. Meu abajur, aquele que vem do abat-jour, que, é o objeto que resguarda a luz e que lhe atenua a intensidade.


Intensidade da alma, do calor, do meu mundo, do meu jardim secreto, do meu high tea.

“Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma.” Epicuro.

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Fontes: Wikipedia | O pensador.